So.te.ro.po.li.ta.no.
- Jaianne Costa
- 5 de mai. de 2023
- 3 min de leitura
Por Jaianne Costa

Natural de Salvador. Aquele que sabe que sua cidade não se resume somente ao Farol da Barra; aquele que não pronuncia “meu rei”; aquele que não passa o dia inteiro deitado numa rede, muito pelo contrário, é aquele que passa metade do seu dia trabalhando e a outra metade no transporte público.
Ser soteropolitano é ser barril dobrado. É dar migué, é se sair, é ser o brocador que dá a ideia. É ser oxe, é ser oxente. É ser painho, é ser mainha. É ser bó ali? Bó! É ser as gordinhas, é ser pelô, é ser praia da Ribeira. É ser Barroquinha, Cabula, Cidade Baixa, Boca do Rio, Cajazeiras. É ser Liberdade. É ser becos e vielas, é ser favela.
Ser soteropolitano é ser camelô, é gritar “picolé um real” no ônibus, é não se conformar e correr atrás do seu. É vender balinha, salgadinho e amendoim torrado. É quem tem a rua como seu escritório. É ser trabalho até os ossos.
Ser soteropolitano é ser baiana de acarajé, que doura o bolinho de feijão assim como só o sol de Salvador doura a pele, ativando a melanina. É ser patrimônio imaterial do Brasil. É vender cultura com dendê, de preferência com uma gelada para acompanhar.
Ser soteropolitano é ser fé. É acreditar. É rezar trezena de Santo Antônio, é fazer oferenda para Yemanjá, é ser sabatista. É fazer caruru de promessa, é amarrar a fitinha três vezes, é reunir sete meninos. É andar 8km.
Ser soteropolitano é trabalhar e estudar e trabalhar e estudar e trabalhar e estudar! É passar sua vida inteira numa escola pública, tentando se concentrar no professor apesar dos tiros de balas lá fora. É ouvir que só passou porque é cota. É fazer eles engolirem sua presença sem água. É ir contra o sistema.
Ser soteropolitano é ser mulher. É temer o tempo todo, em todo lugar. É ter pânico. É ter pavor. É ser calada. É desviar dos olhares, das mãos, dos pintos. É ser mãe e aturar tudo pelos filhos. É rezar baixinho pedindo que seja somente um assalto, somente um assalto…
Ser soteropolitano é ser negro. É ser estereotipado. É ser apontado. É ser acusado pela cor da sua pele. É ver a dondoca esconder o celular. É ver as pessoas adiantarem o passo. É ser o escolhido pelo policial para ser revistado. É ser o alvo da bala perdida. É sair de casa e não saber se vai voltar. É ser ancestralidade, é ser luta, é ser verbo.
Ser soteropolitano é ser futebol. É lotar a Fonte em plena quarta feira. É virar juiz, técnico, narrador, comentarista e o que for preciso na hora da partida. É ser torcedor raíz do estádio ou o torcedor nutela do controle remoto. É ser tricolor até a alma. É ser rubro negro até o fim. É emoção. É grito. É ser a torcida que leva o time ao triunfo. Não são apenas onze jogadores na partida, são onze mais os milhares de nós.
Ser soteropolitano é ser tempero. É castigar no azeite. É chorar com a cebola, é sentir o cheiro inconfundível do coentro. É colocar pimentão em pedaços e camarão sem pena. É não esquecer do gengibre nem da pimenta. É ser muqueca, é ser bolinho de estudante, é ser cuscuz com ovo.
Ser soteropolitano é ser música. É ser axé, é ser pagode, é ser funk. É ser Caetano de dia e Lá Furia de noite. É ser molejo, é ser ginga. É ser ballet, é ser dança de salão, é descer até o chão. É ser roda de samba. É ouvir o som do berimbau. É ser carnaval.
Ser soteropolitano é ser amor. É amar a menina, é amar o menino, é amar os dois, ao mesmo tempo ou cada um no seu tempo. É amar a si próprio. É ser crucificado por andar de mãos dadas no Rio Vermelho. É ser colorido, é ser diversidade. É ser LGBTQIA+. É amar pessoas. É sofrer por amar. É ser feliz por amar. É transformar amor em poesia, em música. É ser Saulo.
Ser soteropolitano é ser verbo conjugado. É ser povo, é ser gente. É ser festa ao mesmo tempo em que é luta. É ser esquecido pela mídia o ano todo e só ser lembrado em fevereiro. É ser lágrimas, é ser gargalhadas. É ser eu, é ser você, é ser nós.
Eu soteropolizo. Tu soteropoliza. Nós soteropolizamos.
Comments